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quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Ainda somos humanos.


Passei quase o dia todo na rua.
Cinco mandados de prisão para cumprir.

Alguns deles com mandado de busca e apreensão
Sobrou pouco tempo pra outras tarefas.

Mas mesmo assim ainda encontrei tempo para realizar uma oitiva, uma condução de presos, uma abordagem a indivíduos suspeitos para identificação e revista e ainda registrar ocorrência informando uma das prisões.
Dos cinco mandados, quatro prisões.

E algumas apreensões.
Logo no segundo mandado me deparo com uma casa com três
 crianças.

Uma menina muito esperta de uns três anos, um menino de um ano mais ou menos e outro menino envergonhado de uns quatro anos.
Fiquei do lado de fora da residência enquanto os colegas cumpriam o mandado.

A menina ria, envergonhada e curiosa com a nossa presença.
Logo, os colegas alcançaram uma faca e eu fiquei segurando.

“Vai levar essa faca?”, perguntou ela.
“Vou levar sim, depois eu devolvo”, respondi.

“E tu vai prender meu pai?”, continuou a menina.
“Não”, respondi novamente, sabendo que não poderia cumprir com o combinado.

Ela continuou brincando e logo largou mais uma:
“Tu é polícia?”

“Sim”, respondi.
Não me surpreendi que ela tivesse dúvidas, já que muitas pessoas maiores que ela me perguntam a mesma coisa.

Talvez pelo porte físico, talvez pela cara de guri.
Seja o que for, ainda causa dúvida nas pessoas a minha condição de policial.

Ele estava colaborando, então, combinamos de não algemá-lo na frente das crianças.
Mesmo assim, quando elas entenderam que o pai seria preso, um choro apagou os sorrisos e cortou a alma de quem estava no lugar.

É preciso ser muito insensível pra não sentir absolutamente nada em um momento desses.
Mas faz parte.

É preciso estar habituado a isso e não deixar que isso interfira no trabalho.
Logo depois, mais mandados deveriam ser cumpridos e a cabeça deve estar somente no que se está fazendo.

Não podemos nos dar ao luxo de ficar pensando em determinados problemas pessoais, que dirá dos outros.
Uma colega nova contou-me a difícil missão de conversar com uma criança vítima de abuso pelo padrasto.

Sentia um aperto no peito e desejava apenas que o relato acabasse logo.

Como se quisesse que aquilo que estava sendo contado fosse mentira.
Depois de tudo, sentia como se tivesse tomado uma surra, ante toda a tensão do momento.

Havia tempo que não trabalhava em um ambiente com crianças.
Estava me tornando, de certa forma, frio.

Agindo de forma técnica e mecânica.
Pelo menos, esses choques nos trazem de volta à realidade.

Nos lembra que ainda somos humanos.

4 comentários:

  1. deve ser dificil mesmo. força cara, e continue fazendo as coisas certas

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  2. Parabéns pelo relato colega, me identifiquei. Tb sou policial civil no interior do Rio Grande do Sul, e criei a pouco um BLog: http://ideiasdeumpolicia.blogspot.com.br.
    Qualquer coisa que precisar prende o grito. Forte Abraço!

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  3. Relato incrível, parabéns pelo blog, escrevo pouco mas estou sempre lendo, em breve com fé em Deus estarei na PCCE e a PCBA abriu concurso, estou papirando feito loucorsrsrs vlw...

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