Passados 45 dias de uma das maiores
ações criminosas da história do Estado, em que três assaltantes foram mortos e
nenhum refém restou ferido após a explosão de uma fábrica de jóias, o único
policial militar baleado com gravidade na madrugada de 30 de dezembro, em
Cotiporã, vive momentos de angústia.
O servidor público que protegeu uma
família de agricultores e tirou de circulação bandidos que usavam explosivos
para roubar bancos, pedágios e empresas vê golpeado, pela primeira vez em 15
anos, o orgulho de vestir a farda da Brigada Militar. Entre os mortos, estava o
então foragido número 1 do RS, Elizandro Rodrigo Falcão, 31 anos.
Além do movimento em uma das mãos, o
PM de 41 anos, casado e pai de um menino de seis anos, perdeu o
vale-alimentação, as horas extras e a gratificação salarial que dobravam seu
salário. Além disso, admite que a curto prazo não receberá a promoção anunciada
pelo governador Tarso Genro.
A promoção, que tramita na Subcomissão
de Avaliação e Mérito de Praças da BM, só ocorrerá quando o soldado for
considerado inocente no inquérito aberto pela BM para verificar se os policiais
não se excederam no confronto com os assaltantes. O PM também precisará ser
inocentado na ação civil pública que tramita na Justiça comum. A seguir,
entrevista concedida por ele ao jornal Pioneiro.
Entrevista: Policial baleado
"Eu poderia nem estar mais
aqui"
Pioneiro — Como vocês estavam
armados? E os bandidos?
Policial — Eles estavam com fuzil, pistola e
quatro ou cinco armas curtas. Nós tínhamos três fuzis.
Pioneiro — Em que momento o senhor
foi baleado?
Policial — Quando eu me protegi atrás da
viatura para recarregar a pistola. Levei dois tiros na perna e o meu colega
levou estilhaços na canela. Quando sobrou só um bandido (o criminoso achado no
mato uma semana depois), ele fez um cordão de reféns para evitar que a gente
atirasse nele. Quando eu mandei os reféns se abaixarem, ele atirou no meu
braço. Eu tentava negociar a saída dele ou a nossa. No começo, ele queria que
nós pegássemos a viatura e fôssemos embora. Depois, tentou negociar para que
ele fosse embora. Quando os colegas falaram que não tinha chance, ele fugiu
para o mato.
Pioneiro — Você foi logo atendido?
Policial — Não, demorou. Eu estava perdendo
sangue, com o braço quebrado.
Pioneiro — Você sofreu algum impacto
emocional?
Policial — Todos que estavam envolvidos têm
experiência. Não teve nenhum tipo de sequela psicológica.
Pioneiro — O que mudou na sua vida
profissional?
Policial — A Brigada está me dando a
assistência que preciso. Passei por duas cirurgias, fiquei 17 dias no hospital
sem qualquer custo. Mas agora estou afastado, a princípio por seis meses, para
recuperação dos movimentos da mão.
Pioneiro — Qual era seu salário
antes e quanto recebe agora?
Policial — Nós perdemos parte do sálario quando
somos afastados. Perdi a gratificação que ganhava como sargento (embora seja
soldado). É complicado perder parte do salário. Quando mais você precisa, o
salário é retirado. Mas faz parte do regulamento. Tenho 15 anos na BM, e sempre
foi assim.
Pioneiro — Qual sua renda?
Policial — Eu estava recebendo em média R$ 3
mil. Agora recebo em torno de R$ 1,7 mil. O problema é que as contas não param.
Só com aluguel nós gastamos R$ 500. Por enquanto, estamos conseguindo encaixar
dentro da renda. Não está faltando nada.
Pioneiro — O governador Tarso Genro
anunciou, quando visitou Cotiporã, que pediria a promoção dos policiais que
atuaram no confronto. Se promovido, o senhor passará de soldado para...
Policial — Nós arriscamos a nossa vida, eu
poderia nem estar mais aqui, então seria uma valorização ao policial militar.
Eu passaria para segundo-sargento.
Pioneiro — Quando o senhor volta ao
serviço?
Policial — A minha expectativa era que fosse o
mais rápido possível, mas vai demorar um pouco, pois é preciso que o inquérito
aberto para ver se agimos corretamente seja arquivado. Essa demora,
financeiramente, acabará me prejudicando.
Pioneiro — E o futuro?
Policial — O meu objetivo é recuperar o
movimento da mão. Minha mãe pede que eu saia da Brigada e consiga outro
emprego. Mas, depois de passar 15 anos na Brigada, é complicado abandonar tudo.
PM tem perdas salariais
Mesmo que as reduções na folha de
pagamento de um policial militar ferido constem no estatuto, a Associação dos
Cabos e Soldados da Brigada Militar as considera arbitrárias.
Além de perder horas extras e
bonificações, o soldado ferido também fica sem direito ao vale-alimentação
durante o período de afastamento. Outra luta da entidade é pela garantia de
apoio psicológico, não oferecido aos servidores:
— O regulamento é ultrapassado.
Temos muitos soldados dispensados por não terem condições de atuar nas ruas,
mas que poderiam desempenhar atividades administrativas. Neste caso, o soldado
é mutilado psicologicamente porque, para a Brigada, se tu não podes atuar fora,
é um inútil — diz o presidente da associação, Leonel Lucas.
Na primeira quinzena de janeiro, o
governador Tarso Genro solicitou que fosse aberto processo de promoção dos
quatro brigadianos que confrontaram em Cotiporã.
— Após a tramitação do processo
criminal que corre na Justiça comum, ele seguirá para deliberação de um
colegiado formado por oficiais da BM. Mas, caso haja alguma denúncia por parte
do Ministério Público ou de outra parte do processo, ele poderá se arrastar por
mais tempo — reconhece o comandante da Subcomissão de Avaliação e Mérito de
Praças, capitão Márcio Soares Lopes.
Caso seja considerado inválido para
o trabalho, o soldado de Cotiporã receberá um seguro de R$ 25 mil. No restante do país, a
média é de R$ 150 mil.
Texto extraído do Jornal Zero Hora:
http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/policia/noticia/2013/02/o-desabafo-do-policial-baleado-4046622.html