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quarta-feira, 12 de junho de 2013

Pode comemorar-se uma morte?


Houve um tempo em que os direitos eram conquistados à força.
Não havia convenções ou regras dizendo o que se deveria ou não fazer.

Através da força, cada indivíduo impunha sua vontade.
Tempos depois, um indivíduo sustentado pela monarquia e igualado a Deus, ou representante deste na Terra, fazia o que achava que devia fazer.

Tudo através da força.
Ele era o Estado, ele era a lei.

Com a revolução francesa, tudo mudou.
Finalmente passamos a ter direitos.

Direitos tão básicos que hoje é praticamente inimaginável viver sem eles.
Isso tudo há menos de trezentos anos, o que é nada comparado à história humana.

Com a criação do Estado como conhecemos hoje, a nível ocidental, claro, as coisas mudaram ainda mais.
Mais direitos foram sendo conquistados.

Já não era mais possível submeter-se a tiranias e arbitrariedades com a mesma passividade de antes.
E então o Estado, através de um imaginário contrato social, propôs-se a nos fornecer segurança, igualdade de direitos, e outras medidas que proporcionassem nosso bem estar, nosso crescimento individual, mas principalmente em sociedade.

Para isso, abriríamos mão de parcela de nossos direitos.
Abdicaríamos quase que completamente do uso da força, já que, em tese, não precisaríamos mais dela.

O projeto era realmente incrível.
No entanto, com as singularidades que só a humanidade pode apresentar, algo saiu errado.

Sim, algo deve ter dado errado, ou viveríamos em um paraíso atualmente.
Se tudo tivesse dado certo, em tese, teríamos níveis mínimos de violência e desigualdade.

Não é isso que vemos hoje.
A violência se dissemina com espantosa facilidade e nos vemos perplexos ante a morosidade e comodidade do Estado.

E aqui, leia-se Estado como o tripé Executivo, Judiciário e Legislativo.
O Executivo não fornece os meios mais fundamentais para o desenvolvimento de todas as pessoas em igualdade e culpa o Legislativo por não criar leis para tanto e o Judiciário por não aplicar as leis já existentes com maior rigor.

O Judiciário se exime de responsabilidade, põe a culpa no Executivo pela falta de amparo à população e diz-se de mãos atadas, pois só aplica a lei elaborada pelo Legislativo e tenta dar igualdade aos desiguais.
O Legislativo culpa o Judiciário por querer legislar e ser deveras brando, culpa o Executivo por não tomar providências antesos anseios da sociedade e, com toda essa ocupação crítica, não legisla.

Enquanto isso, travamos uma batalha diária para suprir a lacuna deixada pelo estado nas mais diversas situações.
Então, quando um miserável volta ao seu estado natural mais primitivo, utilizando da força para suprir necessidade básicas e, consequentemente, infringindo leis, vemos a falência de todo o sistema.

Este indivíduo, desamparado pelo Executivo, ignorado pelo Legislativo e, discutivelmente, solto pelo Judiciário, é visto como um inimigo por seus pares.
A partir deste momento, cria-se algo praticamente intransponível.

A sociedade dificilmente o aceitará em seu seio e ele dificilmente fará o necessário para isso.
É então que desejamos que o inimigo seja colocado longe de nossos olhos, que seja preso.

Mas aí o Judiciário logo o solta, o Executivo ainda não tomou providências e o Legislativo segue passivo a tudo.
O indivíduo volta à rua, os crimes voltam a ocorrer e aquele algo intransponível só aumenta.

E esse aumento causa um sentimento de revolta, que faz com que passemos a desacreditar no Estado.
É nesse momento que voltamos a acreditar na força como único meio de solução do conflito.

Mas esses quase trezentos anos de submissão ao Estado e desuso da força nos faz pensar melhor, afinal, temos muito a perder.
Temos família, amigos, um emprego, contas a pagar, entre outras coisas.

Mas e quem não as tem?
Provavelmente se encontrará com o nosso inimigo.

Talvez sejam amigos. Talvez nem tanto.
E um dia eles, que vivem à parte do Estado e só conhecem o primitivo uso da força, acabam ceifando suas vidas, de uma forma ou de outra.

E então comemoramos.
Afinal, quantos crimes deixarão de ocorrer, quantas casas deixarão de ser invadidas, quantas vidraças deixarão de ser quebradas, quantas pessoas deixarão de ser vítimas de violências e ameaças?

Nesse momento, voltamos também ao nosso estado primitivo, mesmo que mentalmente.
Mas e quem pode julgar-nos por pensar assim?

Nos livramos de uma falha do Estado, de um produto do descaso que nos causava incômodo e que os braços curtos do Estado não alcançavam.
E é aí, para nossa surpresa, que o Estado surge, nas suas diversas formas, nos criticando por pensarmos assim.

O mesmo Estado que deu origem a um indivíduo que não conhecia limites, que não conseguiu contê-lo nem recuperá-lo.
É claro que a violência é abominável sob todas as suas formas.

Os que vieram antes de nós lutaram muito para que hoje vivêssemos em paz, para que tivéssemos direito à vida, à liberdade e à igualdade.
Lutaram para que tivéssemos o direito de sermos humanos.

E conseguimos muito mais.
Chegamos onde talvez nenhum revolucionário francês imaginou.

E é nesse momento que me questiono: Estamos certos ao comemorar a morte do inimigo?
 
*Texto inspirado na seguinte notícia: http://guiasaoluiz.net/2013/06/zagalo-foi-morto/

Um comentário:

  1. Genial, Luiz, pena que parou de escrever, mas deve ter teus motivos. Em breve seremos colegas na PC RS. Abs. LF

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