Correio do Povo, domingo, 28/04/13, p. 16.
Querido leitor desta, cuja vida ainda há por viver.
Quem te escreve traz
uma vida a contar.
O bom de nossas vidas humanas é que, em determinado
momento, elas nos fazem carregar duas malas pesadas. Uma de acertos e
vitórias, nem todas conscientes. Outra de erros e equívocos, alguns bem
intencionais.
Ser humano é ser imperfeito. Há um momento em que paramos e
abrimos estas malas. Contemplamos nossos passos. Nossos pesos.
E, quase
em defesa de nós mesmos, pensamos no que pode ser deixado ali, antes de
prosseguir. Aí descobrimos que nada é descartável. Nem o que não
gostamos. O que foi feito está feito, só resta transformar em lições. A
grande sacada de nossas vidas: a possibilidade de aprender. E então
ensinar.
Será sempre a primeira lição: ter cuidado.
És único, sem superpoderes.
Mas ninguém te tolerará imperfeito, ainda que continue humano. Terás
poder sem ter poder algum, pois o que fizer ou cercear não será em teu
nome, mas em nome de um povo.
Terás que pensar por ele. Decidir e optar
por ele. Matar ou morrer por ele. Quase sempre em átimos, cacos de
instante. E por teus atos serás sempre e até severamente questionado por
qualquer um que se sinta prejudicado ou ofendido, ainda que tenhas
agido pleno de razão e apuro.
Nem sempre a justiça dos homens é justa. E
a divina te parecerá desatenta. No vão destas, justiça pelas próprias
mãos será o pior remédio.
Não te habitues à espera do elogio. Os beberrões amaldiçoarão tuas
providências, mas culparão tua ausência pelas mortes na estrada.
Os
manifestantes jogarão pedras em ti, não nos governos.
O traficante será
denunciado pela mesma sociedade que aprecia suas drogas.
Os que
considerarão barbárie o ato do assaltante, mudarão de alvo, caso tua
indignação deixe escapar um gesto ao prendê-lo.
E os que gritam contra a
impunidade serão os mesmos a negociar contigo, entre sussurros, as
multas de seu carro.
Só as crianças e as vítimas te olharão com algum
sonho.
Eleger-te-ão a imagem da injustiça. A foto de quem a semeia todos os
dias, ao teu redor, não te acompanhará.
Levarás contigo um amor alvejado
de ódios. Serás continuamente heroico, invariavelmente anônimo. Quase
sempre invisível. Diariamente alvo.
E alguém te oferecerá vantagens.
Lucro em tua própria ausência, ou glórias efêmeras sob exemplos
distorcidos. E te oferecerá valores que, talvez, quem deveria te dar já
esqueceu.
Aí, verás se tua dignidade tem preço.
Pois também há um preço
no sustentar de tua família.
O que sai mais caro?
No compromisso que
juraste, saberás quem paga a conta e quais são os caminhos de luta.
Terás a chance da escolha.
Pense no corpo que adoece e se entrega ou
resiste à chaga. Pois alguém que leva teu amor, perto ou longe de ti,
também estará sob os cuidados de um colega teu.
Que também fez suas
escolhas.
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