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domingo, 28 de abril de 2013

Carta a Jovens Policiais - por Oscar Bessi Filho

Correio do Povo, domingo, 28/04/13, p. 16.


Querido leitor desta, cuja vida ainda há por viver. 


Quem te escreve traz uma vida a contar. 

O bom de nossas vidas humanas é que, em determinado momento, elas nos fazem carregar duas malas pesadas. Uma de acertos e vitórias, nem todas conscientes. Outra de erros e equívocos, alguns bem intencionais. 

Ser humano é ser imperfeito. Há um momento em que paramos e abrimos estas malas. Contemplamos nossos passos. Nossos pesos. 

E, quase em defesa de nós mesmos, pensamos no que pode ser deixado ali, antes de prosseguir. Aí descobrimos que nada é descartável. Nem o que não gostamos. O que foi feito está feito, só resta transformar em lições. A grande sacada de nossas vidas: a possibilidade de aprender. E então ensinar.

Será sempre a primeira lição: ter cuidado. 


És único, sem superpoderes. Mas ninguém te tolerará imperfeito, ainda que continue humano. Terás poder sem ter poder algum, pois o que fizer ou cercear não será em teu nome, mas em nome de um povo. 

Terás que pensar por ele. Decidir e optar por ele. Matar ou morrer por ele. Quase sempre em átimos, cacos de instante. E por teus atos serás sempre e até severamente questionado por qualquer um que se sinta prejudicado ou ofendido, ainda que tenhas agido pleno de razão e apuro. 

Nem sempre a justiça dos homens é justa. E a divina te parecerá desatenta. No vão destas, justiça pelas próprias mãos será o pior remédio. 

Não te habitues à espera do elogio. Os beberrões amaldiçoarão tuas providências, mas culparão tua ausência pelas mortes na estrada. 


Os manifestantes jogarão pedras em ti, não nos governos. 

O traficante será denunciado pela mesma sociedade que aprecia suas drogas. 

Os que considerarão barbárie o ato do assaltante, mudarão de alvo, caso tua indignação deixe escapar um gesto ao prendê-lo. 

E os que gritam contra a impunidade serão os mesmos a negociar contigo, entre sussurros, as multas de seu carro. 

Só as crianças e as vítimas te olharão com algum sonho.

Eleger-te-ão a imagem da injustiça. A foto de quem a semeia todos os dias, ao teu redor, não te acompanhará. 


Levarás contigo um amor alvejado de ódios. Serás continuamente heroico, invariavelmente anônimo. Quase sempre invisível. Diariamente alvo. 

E alguém te oferecerá vantagens. Lucro em tua própria ausência, ou glórias efêmeras sob exemplos distorcidos. E te oferecerá valores que, talvez, quem deveria te dar já esqueceu. 

Aí, verás se tua dignidade tem preço. 

Pois também há um preço no sustentar de tua família. 

O que sai mais caro? 

No compromisso que juraste, saberás quem paga a conta e quais são os caminhos de luta. 

Terás a chance da escolha. 

Pense no corpo que adoece e se entrega ou resiste à chaga. Pois alguém que leva teu amor, perto ou longe de ti, também estará sob os cuidados de um colega teu. 

Que também fez suas escolhas.

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